Agrotóxicos atingem população vulnerável, diz especialista

Contaminação afeta especialmente comunidades negras e indígenas, agravando a insegurança alimentar e a presença de ultraprocessados na dieta

06/12/2025 às 16:01
Por: Redação

A contaminação por agrotóxicos no Brasil afeta diretamente populações em situação de alta vulnerabilidade, um perfil que coincide com aqueles submetidos à fome e à insegurança alimentar. Essa grave constatação foi apresentada pela arquiteta e urbanista Susana Prizendt, que é integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida (CPCAPV) e do coletivo MUDA-SP, durante o São Paulo Food Film Fest 2025. Ela destacou que a questão se agrava ao considerar os recortes de gênero, raça e território na análise dos grupos impactados.

 

Segundo a especialista, essa correlação demonstra de forma inequívoca que, assim como a fome possui gênero, raça e endereço definidos no país, o mesmo padrão de distribuição se verifica na exposição aos venenos agrícolas. A declaração de Prizendt ocorreu em um momento significativo: durante uma homenagem ao renomado cineasta Sílvio Tendler, após a exibição de seu impactante documentário "O Veneno Está na Mesa II", que trouxe à tona a urgência do debate sobre o tema.

 

Agrotóxicos e a vulnerabilidade social

A especialista enfatizou que os povos descendentes de negros e de indígenas são os que mais intensamente entram em contato com agrotóxicos, seja em grandes fazendas ou em pequenas propriedades rurais. Essas comunidades, frequentemente com acesso limitado a alimentos agroecológicos, tornam-se as principais vítimas da contaminação, evidenciando uma profunda injustiça social e ambiental que necessita de atenção urgente e políticas públicas eficazes.


“Quem tem entrado em contato com os venenos, com maior intensidade, são os povos descendentes de negros e de indígenas que estão trabalhando nos campos, nas grandes fazendas, mesmo nas pequenas propriedades que ainda usam agrotóxico. São essas pessoas que também não têm acesso ao alimento agroecológico”, afirmou Susana Prizendt.


O documentário de Sílvio Tendler, que faleceu aos 75 anos em 5 de setembro deste ano, é um marco na cinematografia política e histórica brasileira. A obra revela como grandes conglomerados empresariais do setor alimentício concentram lucros exorbitantes enquanto trabalhadores rurais, comunidades vizinhas e consumidores suportam os impactos nocivos do uso excessivo e muitas vezes acima dos limites recomendáveis de agrotóxicos, gerando um desequilíbrio social e ambiental.

 

Expansão dos alimentos ultraprocessados

Além de "O Veneno Está na Mesa II", Tendler também foi responsável por filmes sobre figuras históricas e importantes, como o aclamado "Josué de Castro – Cidadão do Mundo" (1994). Josué de Castro foi um médico e filósofo que dedicou sua vida ao combate incansável à fome, sendo autor de obras fundamentais como "O problema da alimentação no Brasil", "Geografia da Fome" e "Geopolítica da Fome". Essa conexão com a temática da fome se alinha perfeitamente à preocupação de Prizendt sobre a ausência de uma oferta abrangente de alimentos verdadeiramente livres de venenos no mercado consumidor.

 

A arquiteta e urbanista lamentou que muitos locais careçam de opções para alimentos in natura, e os produtos ultraprocessados têm ocupado crescentemente o espaço nas prateleiras e na dieta dos brasileiros. Essa mudança no padrão de consumo, impulsionada pela praticidade e acessibilidade, levanta sérias preocupações sobre a qualidade nutricional e a exposição a resíduos químicos em grande parte da população.

 

Uma série de artigos científicos, liderados por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e envolvendo mais de 40 cientistas, demonstrou que a participação de ultraprocessados na alimentação dos brasileiros mais que dobrou desde a década de 1980, saltando de 10% para 23%. Essas publicações ressaltam que o aumento não é resultado de escolhas individuais, mas sim da atuação de grandes corporações globais, que utilizam ingredientes baratos, métodos industriais e marketing agressivo para impulsionar o consumo.


Susana Prizendt alertou que “para quem pensa que os alimentos in natura são os únicos que têm venenos, têm resíduos de venenos, a gente tem pesquisas feitas pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) mostrando que os alimentos industrializados, como biscoito recheado, bisnaguinha, requeijão, também têm resíduos agrotóxicos”.


O estudo conduzido pelo Idec, que analisou 27 alimentos ultraprocessados, revelou que 59,3% deles continham resíduos de pelo menos um tipo de agrotóxico, sendo que todos os produtos com trigo como ingrediente apresentaram contaminação. A pesquisa "Tem Veneno Nesse Pacote" identificou agrotóxicos em bebidas de soja, cereais matinais, salgadinhos, bisnaguinhas, biscoito água e sal e bolacha recheada, gerando particular preocupação com a presença dessas substâncias em itens destinados ao público infantil.

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